terça-feira, 12 de julho de 2016

Por que as crianças precisam da fantasia

As histórias fantásticas mantêm as crianças atentas, facilitam a aprendizagem de novos conceitos e são fundamentais para a compreensão de como funciona o mundo real.

Michele Müller

Quando fadas com suas varinhas mágicas, monstros e heróis invencíveis decidem invadir as escolas, eles provam que de fato têm superpoderes: ajudam na aprendizagem. O papel das histórias fantásticas na infância não se limita ao entretenimento. Elas trabalham a linguagem de forma mais eficaz que narrativas realísticas, aumentando a possibilidade da criança fixar o novo vocabulário. Pode parecer contraditório, mas justamente por conta da violação das expectativas, são também fundamentais para a compreensão das inúmeras possibilidades que a realidade apresenta.
Alice in Worderland
Peter Newell
Os efeitos do mundo do faz de conta sobre a cognição infantil vêm sendo investigados pela neurociência com resultados reveladores. No ano passado, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia constataram que as crianças assimilam melhor um vocabulário novo quando as palavras são introduzidas em meio a histórias fantásticas. O estudo, liderado pela professora Deena Weisberg, do Instituto de Pesquisa em Ciências Cognitivas, avaliou dois programas educativos aplicados em 154 crianças em idade pré-escolar. Aquelas que tinham contato com os novos conceitos por meio de contos realísticos mostraram desempenho mais fraco na hora de explicar os significados dos vocábulos aprendidos.
Essa fascinação das crianças por acontecimentos extraordinários é evidente já nos primeiros meses de vida. No ano passado, pesquisadores da Universidade de John Hopkings, em Baltimore, testaram o efeito de eventos mágicos sobre a atenção e as brincadeiras de 110 bebês de onze meses. Perceberam que tendem a olhar mais atentamente e por muito mais tempo para um objeto quando ele desafia as leis da física. A chance de ocorrer algo inesperado, que fere suas expectativas, naturalmente mantém as crianças mais atentas – o que explica, em parte, o sucesso das histórias fantásticas na aprendizagem.
Mas a experiência com bebês revelou que a ação da fantasia no imaginário infantil vai além do aspecto da atenção. Depois de assistirem a uma cena em que algo desaparece repentinamente ou flutua, os bebês tendem a investigar a realidade – deixando um objeto cair para testar a gravidade, por exemplo. Para Weisberg, pensar sobre possibilidades irrealistas pode também ajudar na criação de contrastes informativos que levam à compreensão das estruturas do mundo real.
A partir dessa perspectiva, as histórias ganham função fundamental na construção do senso de realidade – que pode começar com a certificação de que objetos não flutuam e bichos não falam e seguir por questionamentos bem mais sofisticados que necessitam de contrapontos para serem formados e esclarecidos.
Partindo da simples constatação da necessidade do contato com o absurdo para se reconhecer o real, podemos transferir para os heróis e vilões dos contos de fada uma nova responsabilidade: a de ensinar às crianças a administrar seus próprios medos. Talvez isso explique a popularidade milenar das histórias universais carregadas de tragédias, bruxas malvadas e figuras assustadoras. Podem ter cumprido um importante papel no desenvolvimento das habilidades linguísticas das crianças, mas dificilmente tenha sido essa a intenção dos Andersen, irmãos Grimm e tantos outros que evitaram poupar seus leitores do contato com desgraças fantásticas. A fascinação inata das crianças pelos horrores e aventuras que o mundo imaginário oferece pode nascer de uma necessidade de dar forma ao impossível para saber reconhecê-lo antes que ele se torne medo.
Ainda bem que a força das histórias populares é grande a ponto de sobreviver a uma época em que as crianças são protegidas de tudo: das brincadeiras que trazem um mínimo risco, dos objetos cortantes, das professoras bravas e de qualquer frustração e tristeza.
Muitos contos clássicos já ganharam versões suavizadas e muitos desenhos perderam seu humor negro para garantir que a infância aconteça toda no mundo cor-de-rosa. Mas se as crianças continuam buscando representações extremas do bem e do mal nas histórias fantásticas, não estranhem: instintivamente, elas buscam referências. E muitas vezes encontram nas histórias mais extraordinárias e sombrias, que as mantêm atentas, que as ensina as maravilhas da linguagem e as mostram o que muitos pais e professores ignoram: que é preciso conhecer para distinguir. É preciso descobrir o irreal para ter segurança no mundo real da mesma forma como o contato com a frustração é essencial para o reconhecimento da satisfação.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Isaak Asimov critica a aprendizagem forçada



Não existe, em algum laboratório, um cérebro-modelo com o qual os outros devam ser comparados para serem considerados normais. Esse princípio, defendido pelo psicólogo e escritor Thomas Armstrong, guia as mais profundas e pertinentes discussões sobre a valorização e o respeito às diferenças dentro e fora das escolas.

Muito antes de surgir o termo neurodiversidade, o mestre da ficção científica Isaak Asimov resumiu, em uma entrevista, a necessidade de uma revisão no sistema educacional que tenta encaixar em um formato padrão mentes com inclinações diversas e em diferentes estágios de maturidade.
O que as pessoas chamam de aprendizagem é algo forçado. Todos são forçados a aprender a mesma coisa, no mesmo dia e no mesmo ritmo. Mas um é diferente do outro. Para alguns, as aulas são muito aceleradas, para outros muito lentas e para outros são apresentadas em uma direção errada. Mas garanta a todos a chance de seguir sua inclinação, de descobrir seus interesses em seu próprio ritmo, na hora certa, e todo mundo irá gostar de aprender.

Isaak Asimov em entrevista a Bill Moyers (A World of Ideas, 1988)




sexta-feira, 10 de junho de 2016

Linguagem e Interação Social

Horace Castelli - Some Ride


O cientista cognitivo Steven Pinker alega, em seu livro Language Instinct (O Instinto da Linguagem), que a linguagem está pré-programada nos humanos de tal forma que não conseguimos suprimir nossa habilidade de aprendê-la e usá-la, assim como não conseguimos suprimir nosso instinto de retirar a mão de uma superfície quente. Para a linguista Jean Berko Gleason, a aquisição da linguagem não pode ser isolada do contexto social para ser analisada, pois sem a interação com outros seres, as estruturas mentais que favorecem a comunicação não se desenvolvem.
  
"O desenvolvimento da linguagem é um fenômeno cooperativo, que acontece entre crianças e as pessoas com as quais elas interagem. A estrutura cognitiva é necessária para que haja compreensão, mas a base emocional também precisa estar presente. Elas devem se importar para aprender."
Jean Berko Gleason (escute a entrevista) 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Por que devemos ler para nossos filhos

Nouvelles de Robert-Robert
A leitura para crianças entrou na lista das orientações básicas que pediatras americanos devem passar aos pais durante as consultas. A importância dessa prática tornou-se oficial quando a Academia Americana de Pediatria (AAP) fez uma declaração recomendando que pais leiam aos filhos diariamente desde o berço, em 2015. Foi o primeiro movimento da entidade para integrar a medicina pediátrica e o desenvolvimento da linguagem.
A declaração destaca o papel dos livros infantis na aquisição do vocabulário e de outras habilidades de comunicação que devem preceder a alfabetização para garantir o bom desempenho escolar.
Com essa estratégia, os pediatras esperam reduzir as diferenças de linguagem entre crianças de famílias de alta e de baixa renda. No final de 2014, um estudo da Universidade de Standford concluiu que já aos dois anos é possível perceber diferenças no vocabulário de acordo com escolaridade e renda da família. Filhos de pais com níveis mais altos de educação conhecem, em média, 30% mais palavras nessa idade.
Como um estímulo isolado, os 15 a 20 minutos de leitura diária em família não garantem a educação literária. Seu sucesso depende de outros recursos que se complementam no lento e complexo processo de familiarização com a palavra escrita.
Juntamente com os livros, o diálogo, as canções e as rimas vão construindo no cérebro infantil o caminho que, mais tarde, vai facilitar a passagem para o universo das letras. Um universo que não se limita à decodificação dos símbolos: a relação saudável com a palavra escrita envolve a interpretação dos vários tipos de textos, uma capacidade restrita à minoria da população.
O fato é que aprender a ler é um processo extremamente complexo, que começa no momento em que os pais apresentam o primeiro livro para o bebê e se estende por toda a vida escolar. O cérebro humano se desenvolveu para dominar a linguagem verbal, mas não apresenta nenhuma sequer estrutura dedicada especialmente à compreensão da escrita. Ele precisa criar um circuito para possibilitar a leitura, envolvendo e conectando diversas regiões.
As mudanças provocadas pela leitura são tão profundas que afetam não apenas a atividade como a anatomia do cérebro. Tanto que parte de trás do corpo caloso (região que une os hemisférios cerebrais) é mais grossa em letrados, o que mostra forte aumento no fluxo de informações entre os hemisférios. Não apenas ao ler, como ao ouvir palavras, o lado esquerdo do cérebro é mais ativo nas pessoas com capacidade de leitura.
Trata-se, portanto, de uma transformação que não pode e nem deve acontecer de forma rápida ou precipitada. Apesar de muitos pais e escolas acreditarem que o sucesso na educação infantil está relacionado à alfabetização precoce, ela pode ser um dos problemas da construção fraca desse novo circuito.
O autor de livros infantis e especialista em leitura Mem Fox defende que "mil livros sejam lidos às crianças" antes que elas comecem a ler. Isso não significa comprar todos os títulos infantis do mercado: repetições são válidas e importantes nessa fase da infância. Para crianças é uma grande satisfação poder prever o que vai acontecer na história e se familiarizar com as palavras e expressões do livro.
Seja qual for o tempo de cada um, a ampliação da capacidade cerebral requer muita prática e o desenvolvimento de todas as áreas que abrange. E isso não se consegue ensinando bebês a ler, mas lendo para eles, mostrando a eles, de forma incansável, toda a riqueza de significados e possibilidades que a língua oferece.

domingo, 22 de maio de 2016

O que é preciso para ler e compreender

Conheça o programa que trabalha as habilidades de compreensão e comunicação: 

O sucesso na leitura depende do desenvolvimento de várias habilidades linguísticas relacionadas à decodificação, fluência e compreensão da linguagem.

Em muitos casos, problemas na compreensão de um texto podem ser resultado de dificuldades na decodificação e falta de fluência na leitura. Mas muitas crianças parecem não conseguir interpretar o que está escrito mesmo lendo fluentemente. Isso pode ser resultado de um déficit na compreensão da linguagem – outro fator fundamental para o sucesso da leitura.

Quando a alfabetização geralmente ocorre dentro do tempo, o problema pode demorar a ser reconhecido ou ser confundido com déficit de atenção. Isso porque crianças com dificuldade no processamento das informações verbais são geralmente desatentas durante as explicações e parecem cometer erros de desatenção na hora de responder as atividades.

Também costumam apresentar respostas confusas; não conseguem contar de uma forma clara aquilo o que leram ou aprenderam; têm memória verbal fraca e vocabulário pobre para a idade; costumam interpretar de forma literal as expressões, têm dificuldade em entender mensagens implícitas e conceitos abstratos. O fato de se expressarem mal costuma trazer prejuízo acadêmico geralmente a partir do terceiro ou quarto ano do ensino fundamental, quando o desempenho do aluno começa a depender mais da formulação e expressão de ideias.

Uma avaliação das habilidades linguísticas e uma intervenção adequada são fundamentais na superação das dificuldades de compreensão e expressão. Se você percebe que as complexidades da linguagem são um desafio para o seu filho, considere um programa de intervenção criado a partir do diálogo entre a comunicação social, a linguística e a neurociência, com jogos e exercícios inspirados em estratégias de compreensão utilizadas com sucesso por especialistas ao redor mundo.

O que é trabalhado para ganho de fluência e construção de sentido:

Decodificação:
Consciência fonológica, ritmo, atenção visual e habilidades visomotoras
Fluência:
Automaticidade, prosódia, repetição
Compreensão:
vocabulário, técnicas de visualização, raciocínio verbalexpressão oral e escrita, linguagem figurativa, habilidades de fazer inferências, criar relações e estabelecer importância.

** Se você é professor e gostaria de aumentar o interesse da turma pela língua e pela leitura, considere uma capacitação que vai te ajudar a aplicar estratégias de desenvolvimento da linguagem oral e escrita entre crianças do ensino fundamental.